terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O CONDÃO E O CALDEIRÃO A MULHER ONTEM E HOJE


( Este texto foi apresentado em forma de palestra em 2010 para a Academia Atibaiense de Letras ( Atibaia/SP) e não teria sido possível sem a enorme colaboração do artista plástico e poeta Nestor Lampros )

 

“O problema subjacente não são os homens enquanto sexo. A raiz do problema está no sistema social em que o poder da espada é idealizado — em que homens e mulheres são ensinados a relacionar a verdadeira masculinidade com a violência e a dominação, e a ver os homens que não combinam com este ideal como "demasiado indulgentes" ou "afeminados".” Riane Eisler

 

Repressão Sexual:

- Reprimir: v.t. Conter, reter, sopitar: reprimir as lágrimas. / Impedir a ação de: reprimir os inimigos. / Proibir: reprimir abusos. / Sofrear: reprimir excessos. / Punir. / Violentar. ( Diconário Aurélio)

Repressão s.f. Ato ou efeito de reprimir; coibição, refreamento. ( Dic. Aurélio)

. Ato ou efeito de reprimir; coibição, proibição. 2 Conjunto de medidas violentas, tomadas pelo governo, contra abusos ou delitos, públicos ou particulares. 3 Psicol Processo pelo qual lembranças e motivos são impedidos de atingir a consciência, continuando, no entanto, a operar subconscientemente; é conceito fundamental na psicanálise. ( Dic. Michaelis)

 

Segundo a professora Marilena Chauí, a repressão sexual tem início com a proibição do incesto, quando sexo deixa de ser natural par tornar-se um ato cultural.  O sexo natural, onde não havia proibição de relações sexuais entre familiares, tornou-se um risco para a espécie, pois a prole gerada de casais com afinidade consanguínea era fraca, doente e as vezes não atingia a idade adulta, não podia cooperar com o grupo, ou seja, não era um ser produtivo.

Riane Eisler, no livro O Cálice e a Espada (Ed. Imago/RJ), propõe que as sociedades anciãs (período paleolítico, aproximadamente), existiam sob um sistema cooperativo entre as pessoas, onde não havia guerra nem supremacia entre os sexos, mas sim colaboração. As mulheres traziam para a sociedade o alimento bem como  proporcionavam a manutenção da vida e a fartura, pois só quem dá vida poderia fertilizar a terra. Aos homens cabia a proteção e segurança ( principalmente de animais ) e o uso da força física masculina para o trabalho mais pesado.

“Como regra geral, provavelmente a linhagem era traçada por parte da mãe. As mulheres mais velhas ou chefes dos clãs administravam a produção e distribuição dos frutos da terra, que eram considerados pertencentes a todos os membros do grupo. Ao lado da posse comum dos principais meios de produção e a percepção do poder social como responsabilidade ou administração para benefício de todos surgiu o que parece ter sido uma organização social basicamente cooperativa. Tanto mulheres quanto homens às vezes até mesmo, como em Çatal Hüyük, pessoas de diferentes grupos raciais trabalhavam em cooperativa em prol do bem comum..
Ali , a força física masculina superior não era a base para a opressão social, a guerra organizada ou a concentração da propriedade privada nas mãos dos homens mais fortes. Tampouco oferecia ela as bases para a supremacia dos machos sobre as fêmeas ou dos valores "masculinos" ' sobre os "femininos". Ao contrário, a ideologia prevalente era ginocêntrica, ou centrada na mulher, a deidade representada em forma feminina
Simbolizados pelo Cálice feminino ou fonte da vida, os poderes geradores, alimentadores e criativos da natureza — não os poderes de destruição — tinham, como já vimos, o mais elevado valor. Ao mesmo tempo, a função de sacerdotisas e sacerdotes parecia não ser a de servir e oferecer sanção religiosa a uma feroz elite masculina, e sim beneficiar todos os membros da comunidade da mesma forma como chefes dos clãs administravam as posses comuns e o trabalho das terras..” ( Eisler, Riane. O cálice e a Espada pg 45)”
Ainda segundo Eisler, a ruptura dessa sociedade cooperativa se deu com o aparecimento de povos belicosos, invasores. Com eles surge a necessidade da espada, das artes da guerra e o masculino começa a crescer em detrimento do feminino. Outro fator apontado por Eisler os invasores possuíam outro esquema cultural. Algumas vezes simplesmente pilhavam e agrediam, mas muitos deles conquistavam e dominavam essas sociedades cooperativas que eram basicamente agrárias, voltadas para o culto a terra e a Grande Mãe, portanto, mais pacíficas.
Sob a dominação desses povos belicosos, vai desaparecendo o respeito ao feminino e emergindo a supremacia do masculino, da guerra e mais tarde, do aço.
Mas permaneceu o termo indo-europeu. Ele caracteriza uma longa sucessão de invasões do norte asiático e europeu por povos nômades. Governados por poderosos sacerdotes e guerreiros, eles trouxeram consigo seus deuses masculinos da guerra e das montanhas. E como os arianos na índia, os hititas e mittani no Crescente Fértil, os luwians em Anatólia, os kurgos na Europa Oriental, os aqueus e posteriormente os dórios na Grécia, gradualmente impuseram suas ideologias e modos de vida sobre as terras e povos que conquistaram.” (Eisler, Riane. O cálice e a Espada pg46)



A MULHER ONTEM -  A IDADE MÉDIA

            Com a instauração as supremacia masculina, tudo que pertencia ao feminino foi caindo para segundo plano, tornando-se quase irrelevante em algumas culturas. Entre a maioria dos povos a mulher passou a ser moeda de troca, sua importância se restringindo à vida doméstica e o cuidado com os filhos. Os filhos homens eram cedo separados das mulheres para serem iniciados nas artes masculinas.
            A cultura judaico-cristã institui o temor ao feminino. Através de Eva, a mulher foi proscrita. A Grande Mãe, geradora e provedora, não mais era associada à terra e a fertilidade e fartura, mas  tornou-se a fonte e o símbolo do mal. O feminino, a partir de então, era de natureza perversa, má, só resgatada através da santidade pelo serviço religioso ou através do casamento, para o qual e dentro do qual deveria manter-se casta.
            Georges Duby, um dos maiores pesquisadores da era medieval, fala, em seu Idade Média Idade dos Homens, que o casamento foi instituído como 1) uma forma de manutenção de bens e linhagens 2) Como forma de controle e abstinência sexual.
            A idade Média é misógina, totalmente masculina, com raras exceções. Entretanto, todas as transgressoras foram direta ou indiretamente punidas. A simples transgressão à ordem masculina trazia para suas vidas tormentos e infortúnios. Veja-se o caso de Heloísa, que desafiou a sociedade e principalmente a Igreja, ao desposar Mestre Pedro Abelardo, filósofo e professor. Então, aqueles eu ensinavam deveriam ser castos como os clérigos. Abelardo foi castrado pelo irado tio e tutor de Heloísa  que, sem a a virgindade da moça não poderia mais conseguir um casamento vantajoso.
            A virgindade é outra questão discutida por Duby e por Marilena Chauí:
Hoje mero valor moral ( e cada vez menos valorada) de início a exigência da virgindade era uma questão financeira. As classes nobres não queriam repartir bens, portanto, procuravam restringir a prole, ou não haveria bens suficientes para cada filho, o que empobreceria a linhagem. Um noiva virgem garantia ao seu futuro esposo a segurança da inexistência de filhos bastardos que mais tarde eventualmente viessem a reclamar posses de sua mãe ou entrar em guerra contra seu marido.  
            A mulher era dominada pela força bruta, pela ideologia religiosa e também pela necessidade de sobrevivência. O conceito de mulher independente é muito, muito posterior. Na idade média ( e durante muito tempo após ela) não havia como uma mulher sobreviver sem a família ( ou seja o pai ou tutor) ou sem a Igreja. Ou ela desposava um homem ou desposava Cristo.
Duby conta o caso da condessa do Perche ( França – Sec XII) A condessa escreve à Igreja pedindo conselho,  pois está sendo vitima da brutalidade do marido que, como o Susserano de terras tinha poder de vida e morte sobre a esposa. Ela indagava quais os deveres da mulher casada e se deveria dobrar-se aos desejos do marido, perguntando qual é o quanto do debitum ( termo usado para definir o afeto conjugal) . O abade Adam responde que a alma e o corpo são de propriedade de Deus. Entretanto, segundo a lei do casamento, instituída por Deus, o marido está na posse do corpo da mulher como usufrutuário, mas a alma,. não, a alma pertence apenas a Deus. Ou seja, a mulher tem dois proprietários: o marido e Deus. E tem que bem servir a ambos. Deve entregar o copo para o total controle e uso do marido, mas sem concupiscência, luxúria ou prazer, pois sua alma tem que ser entregue a Deus, mesmo durante o ato sexual.  ( George Duby Idade Média Idade dos Homens fls 32-33).
A mulher é dado, então dois papéis:
- o da santidade, associando-a a virgem – quer pelo casamento religioso, quer pelo casamento carnal que trará a maternidade.
 - o profano/demoníaco, que, de acordo coma ideologia dominante , era o instinto e índole originais da mulher.
            Mulheres estéreis podiam ser dispostas pelo pai/tutor/marido como melhor eles entendessem. A maioria era entregue ( a maioria das vezes vendida) ao meretrício ou banida do lar. Esta segunda opção a levaria, de qualquer jeito, à prostituição ou a morte. Em alguns casos, a filha estéril, portanto inútil à sociedade, era entregue aos conventos para serem religiosas.
O Condão e o Caldeirão
Na literatura, temos claramente essa divisão de papel, na alegoria das bruxas e fadas/princesas dos contos de fadas.
As princesas/fadas   representam a bondade , a beleza, a pureza ou seja  o bom é belo.
As bruxas  são o mal. Portanto são feias, velhas, corcundas, enfim; o mal é feio.
O simbolismo e alegoria dos contos de fadas ( riquíssimos, aliás) mostram a mulher como o condão ( a fada, que é uma representação da Virgem Maria ou dos anjos ) ou o caldeirão ( a bruxa, o demônio).
Analisemos, entretanto, tais alegorias: a fada usa de magia, mas uma magia bondosa, é a fada madrinha, enviada por deus, como um anjo protetor. A fada madrinha vai ajudar a princesa - também bela e boa e obediente ) a ser resgatada da maldade de uma bruxa ( que se encontra também na figura da madrasta má) ou de um perseguidor ( no caso do conto Pele de Asno, o próprio pai incestuoso) . Os poderes da fada são permitidos Deus e legitimados porque praticam o bem, resgatando o belo do feio, a ordem da transgressão.
A bruxa é o mal. Os poderes mágicos da bruxa alteram ( subvertem) a ordem natural das coisas. A bruxa é a figura das antigas sacerdotisas, do culto a natureza. Agora, em vez da mulher respeitada e estimada como provedora/curadora, a bruxa é servidora do demônio. Em verdade a bruxa é a transgressora da ordem do mundo masculino que teme a mulher porque só ela é capaz de parir, de gerar, de transformar. Tem ligação estreita com a natureza. Portanto, deve ser proscrita/morta ou inverterá a ordem instaurada.
O caldeirão fervente da bruxa, antes era o útero fecundo da mãe, agora transfigurado em perigo, em destruição. É o temor masculino de ser dominado pelo feminino. Em certas culturas pagãs eminentemente masculinas havia o medo da vagina dentada: os homens temiam que no interior da vagina houvessem dentes que mastigassem o pênis. Tal temor permaneceu na cultura cristã mas de outra forma, mas o medo é o mesmo, o medo da perda da virilidade pela subversão do poder.

A MULHER HOJE

E hoje, como anda o feminino? Com certeza tivemos grandes avanços, desde as sufragistas e o movimento feminista.
Entretanto, até onde chegam esses avanços? Eis algo em que pensar. Nas culturas Islãmicas, o homem ainda tem poder de vida e morte sobre a mulher. No Irã e no Iraque, uma mulher estuprada pode ser condenada à  morte pois seduziu e tentou o seu estuprador.
Aqui mesmo no Brasil, apesar da Lei Maria Penha, são inúmeros os casos de abusos e violência contra a mulher, a maioria dentro de casa.
Na música e em toda a produção cultural ainda somos todos herdeiros da mentalidade belicosa que trouxe a espada e baniu o cálice. Que substituiu o útero da mãe pelo caldeirão fervente da bruxa. Eu só permite os poderes da fada através da varinha de condão, símbolo fálico, portanto masculino.
A propaganda nos diz que só é bonita quem é magra . Só é gostosa quem tem corpo perfeito. O feminino ainda está subjugado até pelo olhar masculino. Ainda somos fadas, princesas ou bruxas. Basta ver os comerciais de cerveja, as múltiplas notícias de mulheres anoréxicas, em especial as jovens e adolescentes, de mulheres que morrem em mesas de cirurgia plástica, que se matam em academias, que aplicam botox, silicone etc.
Na música, vemos a desvalorização do feminino com “tchans” “ tatis-quebra-barraco”, dancinhas da garrafa, da manivela, isso para citar óbvio. Mas os piores exemplos são a veiculação insidiosa para a manutenção da ordem. As mensagens subliminares, aquilo que não é dito, mas é mostrado, é exemplificado e instituído pelas novelas, pelas musica, pela internet, enfim, pelos veículos de comunicação.

Temos exceções como o filme Shrek, apesar da transgressão, ali estar muito diluída pelo elemento cômico), O amor é cego ( com Jack Blak e Gwineth Paltrow, mas caímos caso de Shrek, o cômico dilui a transgressão).
NO Brasil o grande avanço começou no fim dos anos setenta e expandiu-se nos anos 80, especialmente na literatura infantil e juvenil, com escritoras como Sylvia Orthoff, Marina Colassanti, Ruth Rocha, que escreveram livros cujo tema colocava em cheque os papéis masculino e feminino. Temos o excelente Jorge Miguel Marinho, professor da USP, que escreve crônicas para jovens que levam a reflexão, numa tentativa de reverter a alienação.  

Na Literatura temos exemplos de grandes escritoras: Começo com Simone de Beauvoir, feminista, esposa de Jean Paul Sartre, cuja contribuição para a causa feminina foi essencial. Aqui no Brasil temos Clarice Lispector, Cecília Meireles, Raquel de Queiroz . Mais recentemente, falemos de Martha Medeiros, cujas crônicas são libelos a favor não da mulher, apenas, mas desse sistema de parceria primordial de que fala Riane Eisler. Temos Fernanda Young, responsável pela série “ Os Normais”, e escritora de bons livros voltados para o feminino. Isso fora as escritoras e batalhadoras anônimas em prol não da supremacia do feminino mas do respeito a ele. Do resgate de uma sociedade cooperativa e não exclusivista.

E qual a salvação, enfim? Como chegar num mundo onde haja valores, sim, pois o conceito de bem e mal é o motor da existência, mas um mundo onde não reste espaço para o maniqueísmo, para a ruptura e sim para a cooperação?
Educação. Em especial a familiar e mais especialmente a educação materna. Nós mulheres temos que amamentar nossas filhas e, principalmente, nossos filhos não apenas com o leite, mas temos que dar-lhes o alimento da reestruturação de valores, a recuperação do respeito entre seres humanos. Um homem começa a aprender a lidar com o feminino através de sua mãe.
Despeço-me com Rita Lee/Zélia Duncan, na voz de Maria Rita:





 


A benção às Iabás!

08 de dezembro é dia de Iemanjá, aqui  em São Paulo e na Bahia. Mas no Rio é dia de Oxum, minha Orixá.
De qualquer forma, esse é dia das Iabás, das mães d'água, das nossas iaras e janaínas. A benção dessas doces mães para nossos corações.

DEFEITO DE FÁBRICA


Defeito de fábrica

O “Facebook” anda me dando linha. Ou dando gás. No meio de tanto besteirol, acabo encontrando pérolas que dão o que pensar. Uma caríssima amiga, Dani Facholli, compartilhou um engraçado cartum: diversas mulheres, todas idênticas, bonitas, jovens, o cabelo irrepreensivelmente penteado ( e necessariamente liso)  coloridas em tons róseos, com um enorme código de barras na testa. Atrever-me-ia a dizer que são loiras, não pela piada preconceituosa, mas porque ainda hoje o padrão de princesinha é o nórdico europeu.  Cada uma das multigêmeas segurava um acessório de maquiagem. No meio delas, bem à frente, em preto e branco, há uma jovem trajada casualmente, os cabelos escuros em desalinho. Ela não é feia, mas obviamente se destaca pelo visual despojado, sem compromisso. Ela lê um livro. Na testa, em vez de código de barras, há um papel, afixado com fita adesiva onde lê-se: “defeito de fábrica”. Achei fenomenal! Além de bem humorado, adorei a mensagem. Postei meu comentário para a Dani e fui ler as outras postagens. Para meu espanto, algumas pessoas criticaram o cartum.  De forma geral, as (os) reclamantes diziam que aquilo era preconceito contra a beleza e vaidade femininas. Que nem toda mulher bonita é burra e nem toda feia é inteligente. Concordo integralmente com o postulado, mas não em relação ao cartum. Eu fiz uma leitura totalmente diferente: no meu olhar, o enfoque não reside na questão da beleza X inteligência.  Interpretei a mensagem como uma crítica aos “modismos”, ao escravismo dos padrões do que é belo, e, o principal, crítica à futilidade X consistência. Este, para mim, é o ponto central. E parabéns ao cartunista, infelizmente não há assinatura no desenho para eu poder creditar neste texto.
Não há mal algum em ser vaidosa(o). Acho que é uma virtude se cuidar. Pessoalmente, sou extremamente vaidosa.  Adoro perfumes, tenho uma bela coleção de paletas e pincéis para maquiagem, vivo lutando contra o peso, tentando buscar a boa forma. Invejo Angelina Jolie, Scarlet Johansson, Kate Beckinsale, Luiza Brunet (para mim, eterna musa).  Não vivemos só de pensar. O nosso cérebro habita acima de um corpo. Mas aí é que está: o corpinho tem que obedecer ao cérebro e não à coletividade, à moda, ao consumismo.  Embora eu admire e inveje a boa forma ( e os modelitos Givenchy) da Angelina, Scarlett ou da Luíza, eu não quero me tornar nenhuma delas, mesmo porque isso é impossível. Somos únicos. Tampouco vou contrair uma dívida no banco ou assaltar uma loja na 5th Avenue  ( aqui em São Paulo, talvez a Daslu, mas ... nhé... 5h Avenue é melhor.) para ter marcas famosas. Francamente, além de ser fútil e potencialmente perigoso à minha vida, eu nem teria onde usar um modelo Yves Saint Laurent com uma bolsa Gucci e sapatos Prada. A primeira dificuldade seria em *caber*  em um vestido que é feito para mulheres com 1m70 e 50 quilos. A segunda seria ter coragem de sair à rua com peças tão valiosas para acabar assaltada. Ou passar ridículo. Alguém se imagina indo para o supermercado num lamê da Dior, de ônibus?
Todo mundo sonha com coisas boas, coisas chiques. Imagino que uma criança da Somália deve achar que comer todo dia é o “crème de la crème”, por exemplo. O pobre do sem teto que dorme na frente do Fórum aqui da cidade deve achar um luxo dormir numa cama após um banho de – veja só – água quente.  Exageros à parte, todos temos sonhos de consumo. O meu é uma viagem à Europa, de onde eu posso trazer um kit completo da Lancôme, à preço justo.  O do meu marido deve ser uma coleção de quadros do Miró; telas feitas à mão, sob encomenda, pinceis e tintas da melhor qualidade. Tem gente que sonha com uma Ferrari e por aí vai. Isso não é pecado e até faz bem. O mal é quando esses sonhos se tornam o alvo e o motor de uma obsessão, de uma compulsão que nada detém, nem a ética. Aí surgem os corruptos, que já esqueceram o que é ética. Moral? O que é isso? Quando começamos a substituir o essencial pelo conspícuo, aí a coisa fede, ainda que seja a perfume francês.  É aí que surgem as dívidas ou, no pior caso, a ética e a moral saltam pela janela e começamos a fazer qualquer coisa pelo ter e pelo parecer, em vez de simplesmente ser.
                O cartum mencionado me evoca isso, mas à frente há a questão da padronização ( que não deixa de ser ferramenta do consumismo) e da futilidade, em especial a feminina. A meu ver, o que o desenho ataca não é a vaidade, mas o seu exagero e o deslocamento que causa uma mulher que não siga o padrão a ponto de ser considerada um defeito de fábrica. Não, o mundo não mudou.  As sufragistas e feministas certamente conseguiram nos tirar da Idade de Pedra. Já podemos votar, trabalhar, até ganhar mais que os homens ( dependendo do cargo e do empregador). O problema é que o pensamento social ainda me parece Neandertal. Sob a máscara da “liberdade sexual” subjaz uma ferida escondida. Tem muita, muita moderninha por aí que se gaba de ter beijado 16 por noite e de poder fazer sexo com qualquer um e a qualquer hora, mas que inveja a amiga bem casada, que pode até não fazer sexo todo dia, mas dorme abraçada com o seu amado e, quando vão pra cama, fazem amor junto com sexo. As amigas mal casadas são a desculpa perfeita para a moderna – será que eu devia dizer mal comida? Não sei. –  anunciar aos quatro ventos o quanto é feliz por estar livre, leve e solta. Livre? Onde, se quando ela vai pra balada bate a preocupação com o vestido, o sapato, a maquiagem, o perfume, o penteado, a cor da unha. Leve? Como, se o peso da concorrência que ela vai encontrar a deixa à beira de um ataque de nervos que a leva a explodir o cartão de crédito no salão, na massagista, no pilates, no cirurgião plástico? Solta? De que forma, se a prisão a um padrão de beleza cada vez mais rigoroso a leva a loucuras como serrar costelas para diminuir a cintura, injetar silicone para turbinar os seios ou fazer cirurgia para retirar o que o padrão diz que é excesso.  A última invenção da “moda” é extrair o dedo mindinho do pé para diminuir o tamanho e tornar o pé mais “harmonioso”. Eu acho que essa última deve ser manobra de alguma marca de calçados.
                Enquanto isso, tem aquelas que vem com defeito de fábrica. Que acham a Angelina Jolie linda, mas não caçam o Brad Pitt na balada e preferem investir na tese de mestrado em vez da nova coleção da Chanel. E óbvio que isso é preocupante e visto como um defeito. Essas mulheres não se veem como acessórios masculinos, não se sentem na obrigação de trocar de cor de cabelo para parecer com a ninfeta “globete” do momento, questionam quando o cara enrola, quando mente, reclamam se o futebol, a cerveja e a farra deixam apenas 10% de tempo pra ela. No mínimo, ela quer o meio a meio. E quer o direito de sair com as suas amigas pra se divertir enquanto ele enche a cara com os amigos. Ela adora os peitorais e o “tanquinho”  do Thor e do Wolverine da mesma forma que ele fica secando, sem discrição, a bunda das gostosas que anunciam sua marca de cerveja favorita.  Ela não exige casamento e filhos, mas quer compromisso, companheirismo. Ela não joga o cabelo pro lado e vai retocar o batom quando o namorado começa a falar sobre a crise econômica ou sobre a última publicação da Cia das Letras. Isso se ela der sorte de encontrar um homem antenado. Se for um resquício de Conan- o-Bárbaro o cara periga levar uma cortada ou gelada federal ou ficar de pé, horas, tentando decifrar a última frase que ela disse, porque desconhece o que é sarcasmo.  
Em suma: esse tipo perigoso de mulher pensante dá trabalho. Não dá pra manipular, pra cornear, pra enrolar. Não dá pra dizer “Eu fui pra cama com ela, mas é você que eu amo”. Ainda que a dama em questão (elas são todas damas. Não conheço uma mulher verdadeiramente inteligente que goste de descer barraco) esteja seriamente apaixonada e comprometida, chega uma hora em que o afrodisíaco da paixão começa a perder o efeito e Miss Defeito põe saia justa no gajo em questão: “Por que a gente nunca sai sexta nem sábado à noite?”  “Porque o jogo do timão é mais importante que o meu aniversário?”  “Como assim, lavar suas cuecas? Você não meu filho. Nem que fosse.”  “Ué, você não ia pra cervejada com o pessoal da facul? Eu estou com as meninas aqui na praia.” “ Você não disse que hoje ia visitar a sua tia doente? Como é que a gente se encontra aqui na festinha do Tito?” “Desculpa, querido, mas eu não vou pagar a conta sozinha, nem pôr gasolina no seu carro.”  O cara, que a essa altura está com os neurônios derretendo ( Eles não tem mais que a gente? Uns a menos não vão fazer diferença), não compreende porque aquela mulher não é igual as outras, porque faz tanta pergunta, porque insiste em conversar com ele, em fazer faculdade, discutir política, a relação do dois. Ela faz piadas que ele e seus amigos do bar não entendem. Só pode ser defeito de fábrica. Ele cogita ligar para o Procon, mas desiste e termina o relacionamento ou some que nem o desenho do Leão da Montanha. Saída estratégica pela direita!
Eu vim com defeito de fábrica. Demorou para eu entender que isso é bom, pois tudo que o ser humano tenta é viver em grupo e ser aceito por ele. Hoje agradeço a Deus que me mandou da fábrica com esse “vício irreparável”, pois inteligência não tem reparo. Não é possível ficar burro. Ainda bem que eu não tenho que lavar, no tanque, cueca nem macacão sujo de graxa de marido que está assistindo ao Faustão, estirado no sofá, criticando minha celulite em comparação com as dançarinas, ostentando uma indecente barriga de chope e macarrão com molho que ele derramou pelo chão que ia sobrar pra eu limpar.  Também agradeço por não ser a amante eterna do executivo que jura que vai largar a mulher, mas precisa de um tempo, bem como não ser a esposa desse mesmo homem, fingindo não ver que ele chega cada vez mais tarde durante a semana, não sentir o perfume diferente nas camisas de seda, afinal, ele paga as contas do meu cartão de crédito, como eu vou viver sem a grana dele?
Por sorte, também existem homens com defeito de fábrica.  O filósofo Roberto Carlos acaba de decantá-lo em “ Esse cara sou eu”. É o homem que liga no dia seguinte, que se preocupa se você some, nem que seja por um diazinho só. O homem que lhe pinta quadros e lhe faz poesias. Se não é artista, lhe manda poesias que emprestou do Drummond, do Quintana, Neruda. Dá flores e presentes fora de hora, sabe o que você gosta, respeita sua opinião, ouve o que você fala, interage, não tem ciúme das suas amigas, como você não tem dos amigos dele, apoia suas decisões, alerta quando você vai fazer bobagem, estimula seus projetos, vibra com o seu sucesso, para o total assombro dos machos bem fabricados, que não compreendem de que planeta veio tal otário.  Sim, também há homens com defeito de fábrica. Estão por aí. Tenham fé. Eu casei com um deles. 

PRÉ JULGAMENTO



                Ainda outro dia eu comentava sobre o sensacionalismo em cima da morte da menina indiana estuprada na véspera do Ano Novo. Não sou vidente nem nada, mas agora surge o público linchamento da atriz Zezé Polessa.
                Segundo um colunista do jornal carioca “O Dia” a atriz teria humilhado  um motorista de táxi  idoso que errara o endereço do Projac e causara o atraso da atriz. Em decorrência dos insultos, o motorista veio a falecer de infarto (http://blogs.odia.ig.com.br/leodias/2013/01/16/ministerio-publico-vai-indiciar-zeze-polessa-com-base-no-estatuto-do-idoso/. )
                Tomei conhecimento disso através de extensa e intensa veiculação no “Facebook”. Há muitos compartilhamentos acerca dessa notícia ( todos variações do mesmo tema). Em todos, a atriz já é tida como assassina.  O júri popular já julgou e condenou a atriz, com sentença transitada em julgada e sem direito a recurso.
                O que mais me chamou a atenção nessa celeuma - além do sensacionalismo, manipulação da mídia, e veiculação distorcida de fatos como se fosse informação – foi a total falta de senso crítico ( para não falar em senso de justiça ) de um expressivo número de pessoas que se apropriou de uma fofoca  e tornou-a um fato.  O Jornal “O Dia” é conhecido pelo teor sensacionalista e a coluna em questão veicula fofocas sobre astros e estrelas, de preferência Globais. Como era de se esperar, muito infelizmente, a “notícia” sobre a morte de um taxista idoso causada por uma atriz da Globo incendiou as redes sociais ( “Facebook” e “Twitter”, principalmente). Os internautas divulgam e compartilham a fofoca tratando-a como informação, sem se preocuparem em parar para pensar e lembrar que qualquer moeda tem dois lados, que não podemos tomar apenas uma versão como verdadeira.
                Não sou fã de Zezé Polessa, tampouco sua defensora. Ela certamente conta com advogados para representá-la.  Na verdade, eu já nem me assusto com esse tipo de coisa, cada vez mais corriqueira, mas me incomoda ver o quanto o nível de senso crítico está diminuindo hoje em dia. É  preocupante, inclusive, porque a velocidade da comunicação hoje é cada vez mais rápida. Ou seja, tem cada vez mais bobagem, mais nonsense, mais atrocidade, mais boataria, inverdades, distorções e inversões que podem ser divulgadas em “trocentos” gigabytes.  Há coisas boas também, mas se passássemos um filtro para estupidez e futilidade, garanto que ia sobrar bem pouca coisa no “Face” por exemplo.
                 Antes que me crucifiquem ou me pendurem pelos polegares, esfolada viva, sobre um formigueiro, deixo claro que sou usuária de redes sociais, nada tenho contra o progresso e os meios de comunicação. O meu ponto sempre foi e continua sendo a batalha por mais conscientização, mais senso crítico. Menos alienação. Tomemos o “Caso Zezé Polessa”. Segundo notícias em diversos sites na internet, o Ministério Público do Rio de Janeiro abriu uma investigação sobre o caso. Olhem só: trata-se de uma investigação e não de uma sentença. Não sou Juíza nem Promotora de Justiça, como está se sentindo uma bela porcentagem de internautas , colunistas e jornalistas. O meu bom senso, entretanto, me avisa que  1) Até agora só temos a versão do colunista  de O Dia e boatos de que até colegas da atriz ficaram indignados com seu “ assédio moral” contra o motorista 2) Não  chegou a conhecimento público de que tenha havido qualquer testemunha da agressão da atriz ao idoso, consta apenas que ele passou mal após deixar a atriz no Projac e, no hospital, teria contado que fora humilhado mas não queria registrar ocorrência por medo de perder o emprego. A quem o motorista falou isso, não se sabe, não vi nenhuma declaração de testemunhas a esse respeito e, antes de escrever este texto, eu realizei diversas pesquisas. Se algum leitor encontrou informações de testemunhas do caso, que me desculpem. E me informem. As postagens no “Facebook” também não dão conta de outra declaração que não a que foi publicada na coluna do jornal carioca. Há uma declaração da filha do taxista afirmando que o pai era cardiopata e que naquele dia já não se sentia bem ao sair para trabalhar. A moça teria dito, também, que acha que a agressão verbal da atriz contribuiu para a morte de seu pai.   
                Resumindo: no que diz respeito ao que está na mídia ( redes sociais incluídas) aparentemente não há como avaliar o ocorrido muito menos condenar a atriz. Ninguém parou para pensar na veracidade do que lia. Assumiu-se como vítima o motorista de taxi ( idoso, em condição social menos favorecida do que um “Global”) e como vilã a atriz ( mais favorecida economicamente, estrela de famosa rede de televisão).  Alguém estava dentro do táxi e presenciou a humilhação? Ninguém sabe, ninguém viu. Ainda assim, o linchamento da atriz continua. Volto a dizer que não sou fã de Polessa. Não acompanho sua carreira nem qualquer notícia sobre ela. Minha opinião estritamente pessoal   é que é possível que esse episódio lamentável tenha ocorrido. Como postei na minha página no  “Facebook”,  muitas celebridades ( não apenas televisivos ou artistas, mas os “poderosos” em geral)  esquecem que, perdoem a comparação,  no banheiro é tudo igual pra todo mundo e que o corpo vai apodrecer debaixo da terra, salvo se incinerado.  Humildade não ocupa espaço, mas para algumas pessoas ela é grande demais para acomodar no ego.  Minha opinião, contudo, não representa os fatos e eu nem ninguém podemos afirmar nada sem evidências. Só que ninguém costuma parar para pensar nisso. Vamos introjetando, engolindo sem mastigar o que certos meios de comunicação nos empurram. Depois vomitamos esse bolo mal digerido, colaborando com desmedidos sensacionalismos.  Penso que por trás de uma calúnia ou de uma difamação, alguém sempre está buscando uma vantagem que nem sempre é financeira. Pode ser política, emocional, ou, no caso das mídias, ibope, audiência, aumento de notoriedade e, claro, de vendas , o que nos leva de volta ao consumismo voraz e desenfreado de tudo.  Isso me remete ao horrível caso da “Escola Base”, aquela escolinha infantil cujos proprietários e funcionários foram “denunciados” por um programa de televisão por pedofilia e outras atrocidades contra crianças. Na Justiça, foram todos inocentados, pois não havia qualquer veracidade, prova ou fundamento nas acusações. Infelizmente, o veneno da mídia já contaminara uma massaroca de alienados que se dizem cidadãos.  Depredaram a escola, perseguiram e constrangeram os “pedófilos” que, como se provou, eram inocentes. Alguém ainda se lembra disso ou “passou”? Passou para quem não foi preso, publicamente ofendido, apedrejado, caluniado, perdeu emprego e toda uma vida.  (http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/55481/passados+18+anos+professora+da+escola+base+ainda+nao+sabe+quando+vai+receber+indenizacao.shtml )
                Finalizo com uma opinião, que se conselho fosse bom eu estava vendendo:  da próxima vez, antes de espalhar uma notícia, seja nas redes sociais, jornais, televisões, seja contar ao vizinho, verifique a sua procedência e pare para pensar e analisar o que leu, viu ou ouviu. No ensejo: quantas vezes será que fomos realmente humildes esta semana? Será que cumprimentamos e agradecemos com um sorriso o motorista de táxi, de ônibus, o servente no nosso emprego, o varredor de rua, o caixa do supermercado?  Vou confessar: às vezes eu esqueço. 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Notícias Sensacionais.




Sensacional: adj. Relativo a sensação, que produz grande sensação; extraordinário, genial, surpreendente: uma novidade sensacional. / Fam. Maravilhoso, espetacular: uma loura sensacional.
Sensacionalismo: s.m. Característica ou particularidade de sensacional. Interesse ou procura pelo sensacional. Utilização ou resultado da busca por assuntos sensacionais cuja repercussão tende a fomentar escândalos, chocar uma sociedade, sem que tais assuntos sejam verdadeiros Filosofia. Fundamento ou teoria cujas ideias são provenientes, exclusivamente, das sensações ou das percepções sensoriais. 
( Definições do Dicionário Aurélio)

            Poucos dias antes do fim de 2012, uma jovem foi brutalmente estuprada e ferida em um ônibus em Nova Déli, Índia. O fato gerou comoção internacional e continua ganhando espaço na mídia.
            Sem dúvida alguma, é uma notícia impactante, horrível e que merece o destaque que lhe tem sido dado. Entretanto, o que tenho observado nos  noticiários em qualquer meio ( televisão, jornal, internet etc)  é que  o tom ora revoltoso, ora informativo, dependendo do veiculador da notícia, está longe da isenção jornalística ou mesmo do caráter de denúncia de que alguns meios tentam se apropriar.  A pura verdade é uma só: o único aspecto explorado pela mídia é o sensacionalismo.  Muito embora encontremos algumas esparsas ( e parcas) informações sobre os fatos e suas consequências, o que se repete “ad nauseam” são os detalhes sórdidos sobre a forma que a jovem indiana foi estuprada e seviciada, destacando-se que foram seis estupradores.
            O que observo é que o interesse da mídia não é chamar atenção ou despertar a consciência acerca desse tipo de monstruosidade, das péssimas condições de segurança me que vivemos, da situação das mulheres na índia e em muitos países ( inclusive o nosso). Os desdobramentos em torno desses temas são efeitos colaterais do sensacionalismo. Efeitos bem vindos, é claro, mas em breve alguma outra notícia sensacional, que pode nem ser hedionda, mas curiosa, científica ou cômica, ocupará o noticiário.
            Há poucos dias, deparei-me com uma brilhante palestra sobre dependência cultural, proferida pelo jornalista e escritor Jorge Cunha Lima (http://www.cpflcultura.com.br/2008/12/24/a-dependencia-cultural/) e gravada para o programa Café Filosófico, da TV Cultura. Dentre outros tópicos relevantes ao tema e muito bem desenvolvidos, Cunha Lima destacou que, segundo sua observação, o produto da televisão brasileira não é mais o programa em si, mas a audiência. Referida palestra foi gravada em 2007. Penso que de lá pra cá pouca coisa mudou, aliás, acentuou-se e não apenas no meio televisivo, mas em qualquer meio. Obviamente, as emissoras de televisão são “campeãs de audiência” nos quesitos morbidez, baixaria e sensacionalismo, disfarçando-os entretenimento ou, pior, de denúncia social.  A denúncia existe, mas, como citei acima, é efeito colateral. Assim que a notícia veiculada começa a arrefecer, logo aparece outro fato sensacional para saciar o apetite mórbido e insensato de uma massa com nenhum ou muito pouco senso crítico. Dessa forma, vai caindo no esquecimento todo o clamor suscitado pela mídia em torno deste ou daquele fato. Quem ainda fala na pobre Isabela Nardoni?  O caso da moça assassinada pelo goleiro Bruno ainda ganha espaço no noticiário porque o indiciado jogava em famoso clube carioca e isso dá audiência. Aliás, como é mesmo o nome da moça assassinada?  Se o assassino fosse um jogador de um clube medíocre no Piauí ou um pedreiro desconhecido do Acre, talvez sequer houvesse clamor público, porque nem haveria divulgação do caso. Quantas mulheres e crianças são estupradas, machucadas, mortas todos os dias, em diversos pontos do planeta?  O caso Nardoni, por exemplo, foi chocante e tenebroso, porém, não se trata de caso isolado. Quem trabalha nas Varas Criminais de qualquer cidade brasileira já deve ter se defrontado com casos mais hediondos e não divulgados, pois não despertariam o necessário “auê” que gera a audiência, que atrai leitores, que divulga e destaca os meios de comunicação. Isabela Nardoni, por exemplo, era de família abastada, pais com nível superior, avô advogado.  O empresário japonês assassinado e retalhado pela mulher era pessoa de posição financeira relevante e por isso com destaque social. Mas não nos enganemos, tem coisa muito pior ocorrendo por aí, anonimamente, apenas porque não interessa à mídia divulgar.
            É óbvio que não é possível noticiar e saber de absolutamente todo e cada movimento neste planeta. O que me desperta atenção e que desejo ressaltar é a necessidade de não tomarmos por denúncia a sede por audiência e a criação de uma irreflexiva cultura da violência. A mídia, qualquer que seja, não está prestando um serviço social, muito menos denunciando desiguladades, atrocidades, conspirações. O culto e a cultura da violência não leva á reflexão do porque essas coisas horríveis acontecem. Não encontrei nenhum debate sobre o que levou seis indivíduos a agirem tão brutalmente contra um ser humano. Não que haja desculpas para a monstruosidade, mas ninguém reflete sobre de onde ela surge, como se alimenta, porque aumenta. Todo mundo quer ver o enforcamento dos assassinos, ou seja, mais violência. Ninguém se pergunta o porquê de nada e vai crescendo um mercado da violência extremamente expressivo, sempre disfarçado de notícia ou denunciação. A mídia presta serviço a si mesma e é com isso que precisamos nos cuidar. O antídoto é simples: menos BBBs, Fazendas, compartilhamento de inutilidades no Facebook, menos pancadão, baixaria, dancinhas de bundas rebolantes, palavrões, consumismo desenfreado. Mais senso crítico, mais leitura, e não apenas juntar palavrinhas, mas desvendar a escrita. E por leitura entendamos também a compreensão da mensagem, seja ela verbal ou não verbal. Precisamos com urgência descobrir as entrelinhas, ler o que não está escrito, ouvir o que não foi dito, ver o que não está a olho nu, como queria Paul Klee.
            Quem sabe com mais senso crítico, com menos estupidez e alienação (que é morte cerebral voluntária), diminuam-se os casos de violência, estupros, assaltos, miséria, corrupção. Quem sabe vejamos menos casos como o da pobre jovem indiana e possamos ver menos programas que pingam sangue e mais entrevistas como a do Cunha Lima, na Cultura. Afinal, o senso crítico é  ferramenta essencial da cidadania. Sem cidadania, não há civilização que se sustente.
05/01/2013