Yndiara Macedo
(1º Colocado no Concurso J.I. de Literatura - 2008 - Finalista e Vencedor do MAPA CULTURAL PAULISTA - 2010 )
O Zé morreu
numa quarta-feira. Caiu morto, em cima de uma pilha de papéis, na repartição
pública em que trabalhava, fazia mais de 25 anos.
De início,
ninguém reparou. Todos resmungavam contra a perda salarial, as péssimas
condições de trabalho, a corrupção na política. Todo mundo estava concentrado
nos carimbos, na burocracia às suas mesas, com medo da possível aprovação da
perda de estabilidade no funcionalismo
público. Ninguém notou o Zé caído, sem respirar. Só uma hora depois é que o
chefe da seção percebeu o funcionário sobre a pilha de documentos. Devido á
queda, muitas se espalharam pelo chão.
O mau humor do
chefe já era notório. Naquele dia estava pior porque seu time perdera o
campeonato. Da sua mesa, no fundo da sala, ele resmungou, bem alto, contra o
“relaxo” e a “vagabundagem” de certos
funcionários.
O colega que
sentava ao lado do Zé, com medo do mau humor do chefe, mandou o morto levantar,
antes que sobrasse para todo mundo. Aquilo lá era hora de dormir? As duas
funcionárias que ocupavam as mesas de trás começaram a cochichar sobre a cara
de pau do “folgado”, com olhares e
piadinhas maldosas.
A maledicência
se alastrou como uma doença, contagiando a sala, e o Zé, funcionário exemplar
há quase 30 anos, que nunca entrara atrasado, virou o vagabundo que cochilava
em serviço.
Irritado, o
chefe levantou-se e foi até o Zé, vociferando ameaças de sindicância,
sacudindo- o e ordenando-lhe que se levantasse. O morto rolou para o chão, os
olhos esbugalhados, a boca entreaberta.
Houve um
instante de mudez na repartição. Quem rompeu o silêncio foi o estagiário que
perguntou o que iam fazer com o corpo. O chefe fitou o rapaz com ódio. E ele lá
ia saber o que fazer? Aquilo não constava nas normas do serviço.
O corpo do Zé
foi arrastado e trancado no almoxarifado. O chefe incumbiu um funcionário de
ligar para os bombeiros e avisar a viúva,
depois voltou a trabalhar porque o serviço não pode parar. O tal funcionário
incumbiu outro colega. O outro colega incumbiu outro, que incumbiu outro que
finalmente passou a tarefa para o estagiário. Quando o rapaz ia pegar o
telefone, uma das funcionárias gritou-lhe exasperada que ele tinha que passar
um fax urgente ou perderia o emprego.
O defunto foi
esquecido no almoxarifado. Só lembraram no dia seguinte, quando o corpo começou
a feder. Ninguém na repartição foi punido. Culparam o estagiário e o rapaz, que
era terceirizado, foi demitido.
O Zé,
funcionário público morto em serviço, foi sepultado na sexta-feira e o alto
escalão avisou que o dia não seria abonado.
Só o
estagiário foi ao enterro.
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