segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

FALHA NO SISTEMA


Yndiara Macedo 
( 2º Colocado no Consurso JI de Literatura - 2012 )
                  Foi no sétimo dia útil que tudo começou. Aparecida aguardava a vez na fila do banco. Era procuradora da mãe doente. Doença rara que escolhera a velhice para se manifestar. Metade da aposentadoria ficava na farmácia. Aparecida introduziu o cartão no caixa eletrônico e em vez do benefício, recebeu a novidade: a conta estava zerada. Aparecida repetiu o procedimento e a tela mostrou o mesmo saldo: 0,00.
                A mulher entrou no banco, foi levada ao “gerente pessoal”. Aguardou ansiosa, só para descobrir que se tratava de um funcionário que resolvia problemas grandes ganhando um salário pequeno. O homem consultou extratos, deu telefonemas. “É falha do sistema, senhora, mas não do nosso. O problema é na firma em que sua mãe trabalhava.”
                 A firma ficava longe. Aparecida tomou três ônibus. Ao chegar, procurou pelo R.H., mas fechara às dezesseis horas. No dia seguinte, Aparecida voltou, cedinho. Madrugou inutilmente, pois o setor abria às dez. Demorou a ser atendida. Explicou o ocorrido: “Não depositaram a aposentadoria da minha mãe, o banco disse que é falha no sistema.” O funcionário do R.H. foi categórico: “Certamente foi falha do sistema, mas não do nosso. A senhora tem que procurar o Financeiro.” “Em que andar fica?” “No quinto, mas hoje ele só abre de manhã e já é meio dia. Só na segunda feira”.
            O fim de semana foi opressivo. Aparecida mentia à mãe para não piorar sua debilitada saúde. A medicação dela chegava ao fim e não havia remédio contra a burocracia. Na segunda, Aparecida foi ao Setor Financeiro onde lhe disseram: “Se é falha do sistema, foi na Tesouraria.”. Aparecida implorou. “Pelo amor de Deus, me digam que eles atendem hoje!” Atenderam. E foram taxativos. “O sistema da Previdência é um caos. O processo emperrou lá.”
            Na Previdência, negaram a falha no sistema: “Os documentos já foram enviados à firma. Volte lá.” Aparecida voltou à firma e lhe avisaram: “Já recebemos a documentação, mas, entenda, o prazo para o trâmite é de cinco dias úteis.” “Minha mãe está doente! Por favor, não há outro meio?” Ela suplicou. “Nós fazemos tudo de acordo com o sistema, senhora. Procure um posto de saúde”.
                Aparecida foi ao posto de saúde de seu bairro. Um atendente consultou dois computadores e seis funcionários para informar: “Nós até temos o remédio, mas só chega em dez dias.” “Rapaz, minha mãe vai morrer. Ela está sem dinheiro e sem remédio! O que posso fazer?!” “É o sistema, senhora. Procure um advogado.”
                A mulher entrou no primeiro escritório de advocacia que encontrou. Estava quase tão macilenta quanto à mãe doente e que tomava aspirina, sem saber que a medicação acabara. O advogado informou: “Cabe uma liminar. Leva uns cinco dias.” Aparecida voltou para casa, anestesiada. O sistema parecia se mover a cada cinco ou dez dias, nada podia fazer.
                No sétimo dia após a última solicitação de Aparecida, a aposentadoria foi depositada, sem correção monetária. Do banco, Aparecida foi direto à funerária, pagar o enterro da mãe, que falecera dias antes. Na certidão de óbito, constou como causa mortis: “falha múltipla no sistema”.

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