Yndiara Macedo
( 2º Colocado no Consurso JI de Literatura - 2012 )
Foi no sétimo dia útil que tudo começou.
Aparecida aguardava a vez na fila do banco. Era procuradora da mãe doente. Doença
rara que escolhera a velhice para se manifestar. Metade da aposentadoria ficava
na farmácia. Aparecida introduziu o cartão no caixa eletrônico e em vez do
benefício, recebeu a novidade: a conta estava zerada. Aparecida repetiu o
procedimento e a tela mostrou o mesmo saldo: 0,00.
A
mulher entrou no banco, foi levada ao “gerente pessoal”. Aguardou ansiosa, só
para descobrir que se tratava de um funcionário que resolvia problemas grandes ganhando
um salário pequeno. O homem consultou extratos, deu telefonemas. “É falha do
sistema, senhora, mas não do nosso. O problema é na firma em que sua mãe trabalhava.”
A firma ficava longe. Aparecida tomou três
ônibus. Ao chegar, procurou pelo R.H., mas fechara às dezesseis horas. No dia
seguinte, Aparecida voltou, cedinho. Madrugou inutilmente, pois o setor abria
às dez. Demorou a ser atendida. Explicou o ocorrido: “Não depositaram a
aposentadoria da minha mãe, o banco disse que é falha no sistema.” O
funcionário do R.H. foi categórico: “Certamente foi falha do sistema, mas não
do nosso. A senhora tem que procurar o Financeiro.” “Em que andar fica?” “No
quinto, mas hoje ele só abre de manhã e já é meio dia. Só na segunda feira”.
O
fim de semana foi opressivo. Aparecida mentia à mãe para não piorar sua
debilitada saúde. A medicação dela chegava ao fim e não havia remédio contra a
burocracia. Na segunda, Aparecida foi ao Setor Financeiro onde lhe disseram: “Se
é falha do sistema, foi na Tesouraria.”. Aparecida implorou. “Pelo amor de
Deus, me digam que eles atendem hoje!” Atenderam. E foram taxativos. “O sistema
da Previdência é um caos. O processo emperrou lá.”
Na
Previdência, negaram a falha no sistema: “Os documentos já foram enviados à firma.
Volte lá.” Aparecida voltou à firma e lhe avisaram: “Já recebemos a
documentação, mas, entenda, o prazo para o trâmite é de cinco dias úteis.” “Minha
mãe está doente! Por favor, não há outro meio?” Ela suplicou. “Nós fazemos tudo
de acordo com o sistema, senhora. Procure um posto de saúde”.
Aparecida
foi ao posto de saúde de seu bairro. Um atendente consultou dois computadores e
seis funcionários para informar: “Nós até temos o remédio, mas só chega em dez
dias.” “Rapaz, minha mãe vai morrer. Ela está sem dinheiro e sem remédio! O que
posso fazer?!” “É o sistema, senhora. Procure um advogado.”
A
mulher entrou no primeiro escritório de advocacia que encontrou. Estava quase tão
macilenta quanto à mãe doente e que tomava aspirina, sem saber que a medicação
acabara. O advogado informou: “Cabe uma liminar. Leva uns cinco dias.” Aparecida
voltou para casa, anestesiada. O sistema parecia se mover a cada cinco ou dez
dias, nada podia fazer.
No
sétimo dia após a última solicitação de Aparecida, a aposentadoria foi
depositada, sem correção monetária. Do banco, Aparecida foi direto à funerária,
pagar o enterro da mãe, que falecera dias antes. Na certidão de óbito, constou
como causa mortis: “falha múltipla no
sistema”.
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