segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Cidadania Cultural: Realidade ou Utopia? Uma Visão do Artista



Por
                                  Nestor Lampros e Yndiara Macedo

Utopia:  “tem como significado mais comum a ideia de civilização ideal, imaginária, fantástica. Pode referir-se a uma cidade ou a um mundo, sendo possível tanto no futuro, quanto no presente, porém em um paralelo. A palavra foi criada a partir dos radicais gregos οὐ, "não" e τόπος, "lugar", portanto, o "não-lugar" ou "lugar que não existe". ( Wikipedia)
Cidania Cultural:Segundo Bastos (2002:134), assinalou se por um lado a Constituição Federal trouxe um aporte significativo de leis que alcançaram um escopo fundamental de variáveis para a construção da cidadania cultural, por outro, tornou-se necessário um engajamento da sociedade organizada como forma dar sentido a essa nova ordem jurídica. Corroborando com esta ideia Soares (2001 )afirma que a promoção da acessibilidade aos bens culturais, enfatizando que ela cumpre as determinações da constituição Federal de 1988, quando consagra os direitos das portadoras de deficiência física e também proclama o direito a cultura, em seu artigo 215,seção II, da cultura:. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”
“Patrimônio cultural é o conjunto de todos os bens, materiais ou imateriais, que, pelo seu valor próprio, devem ser considerados de interesse relevante para a permanência e a identidade da cultura de um povo.
O patrimônio é a nossa herança do passado, com que vivemos hoje, e que passamos às gerações vindouras.”  Wikipédia

            Segundo dicionários e iminentes filósofos, cidadania cultural é o direito de qualquer cidadão não apenas ao acesso à cultura como à sua produção e difusão. Entretanto, todos os textos aos quais tivemos acesso não tratavam da produção, do fazer a Arte. Ocupavam-se das teorias políticas, em especial as que rechaçam o neo liberalismo e privilegiam o que chamaremos, á falta de maior conhecimento teórico, de filosofia de esquerda. Nesses textos (incluindo a leitura de Marilena Chauí ), fala-se muito mais da necessidade do acesso á população aos bens culturais do que sobre sua produção, propriamente dita.

            Os bens culturais  no nosso país estão sendo respeitados de acordo com a própria visão de bem cultural- plenamente acessível a todos, protegido, veiculado e mantido pela sociedade? Pensamos que esta questão está sendo silenciada pelos próprios interesses que cercam os valores desses mesmos bens culturais.

O bem cultural não é monopólio de um partido, de um governo (se pudéssemos colocá-lo num extremo provável) tampouco é um bem passível de uso para promover interesses particulares que não deixam que este produto seja socialmente desfrutado, ou dividido, ou mesmo exposto.Nenhum desses extremos é positivo, nem mesmo condiz com o que consta no artigo 215, seção II da nossa Constituição. Na perspectiva desses extremos que mencionamos, a chamada Cidadania Cultural nada mais é do que pura Utopia, ou seja, um não lugar. Um conceito apenas sonhado, irrealizado.

            Nosso país é rico em cultura até porque a formação do Brasileiro é multicultural. Temos influências diversas desde as três etnias que se encontraram no descobrimento do país até as diversas etnias que se instalaram no Brasil ao longo do tempo (ariana, asiática, islâmica, semita, só para citar alguns exemplos). O Brasil, portanto é rico em manifestações culturais diversas ( e isso não é utopia), mas a cultura que o povo cria com sua peculiaridade  anda se prestando ao uso mercantilizado, devorando, mastigando e  triturando manifestações culturais autênticas para vomitá-las no mercado em uma pasta massificadora e alienante, sem preocupação outra que não o consumo rápido. Em vez de cidadania cultural, temos então a voracidade do capitalismo desenfreado, interessado em venda/consumo e que serve aos interesses de uma política cada vez mais corrupta e esta, por sua vez, serve e se serve de  uma “fast food cultural”.
           
Onde o artista nessa situação? Qual o seu lugar?
           
É nossa opinião que os bens culturais não são propriedade ou massa de manobra para politicagem. Não é um purismo que propomos, é uma garantia da  legitimidade e autonomia não apenas da cultura mas de seu produtor – a manifestação (autoria) popular, advinda de qualquer classe social . Vincular os bens culturais com a corrupção política e o mercantilismo  gera o monopólio do que não poderia ser monopolizado: a livre circulação do obra e seu artista, compromissado com sua arte, sua visão de si mesmo e do mundo que o cerca. Nem a Arte, nem o Fazer Cultural nem o Artista devem ser ferramentas de uma classe que tudo faz para tornar-se absoluta e perpetuar-se no poder.  Essa situação extingue a possibilidade da diversidade cultural, silenciando o legítimo criador e sua criatividade, bem como a sua liberdade em usar sua voz, sons,  palavras, cores e linhas, massas, corpo, intuições e emoções, de forma autêntica, sem manipulações, sem a preocupação de produzir obras que agradem ao seleto grupo daqueles que, por dever constitucional, deveriam difundir a Cultura/Arte de forma democrática. A corrupção e o mercantilismo (que hoje se apresenta no pomposo termo inglês “ marketing” ) sempre compromete a alteridade, em qualquer âmbito. Isso porque o supra mencionado poder se comporta como o reizinho mandão da fábula e está pronto para silenciar o discordante, naquilo em que sua produção difira de seus pontos programáticos ou mesmo quando deseja privilegiar seus escolhidos que obviamente estão conformes à uma visão particularista. A censura, agora, se apresenta de forma insidiosa e sutil, disfarçada em  “critérios de avaliação”, mas é o mesmo silêncio imposto pelas ditaduras. E pelos mesmos motivos: capital, controle, poder.
                       
Não podemos, porém, incorrer em outro extremo, ou seja, deixar a produção cultural nas mãos do mercado e apenas para esse fim. Isso também escraviza o artista, artesão, produtor cultural, que se vê nas mãos impiedosas do consumismo alienado que torna a arte/fazer cultural tão somente mercadoria, alienada do princípio de que essa produção emerge da intuição profunda -como nos diz Ferreira Gullar-  seja do artista popular ou do erudito, por conta de uma necessidade interior, uma necessidade que busca a expressão em obras e na matéria e nos sons, ou no corpo para corporificar essa emoção, por vezes frágil e fugaz, quando não é um insight de uma manifestação do sublime.
           
Pensamos que as obras culturais dizem respeito a um contexto espaço-temporal, nem que essa obra represente uma antítese a esse contexto. O seu criador as produz para sobreviver ao seu tempo. Um artista, na acepção do termo, deixa marcas e mensagens, mesmo que afirme não ser esta sua pretensão. A prática ( infelizmente comum) de cercear a produção cultural pela invisível censura do privilégio político, vai esmagando a cultura e seu fazer ou seja, a arte em qualquer das suas manifestações.  A realidade é que as leis de incentivo cultural  não estão ao acesso de todos, o que manda por ralo abaixo o projeto de Cidadania Cultural e nos fazem pensar que tal é, na melhor das hipóteses, uma Utopia. Na pior... bem, uma ação política que nada mas é do que “Panis et Circenses” – Pão e Circo. No caso, a cultura vira o circo, no mau sentido.
           
Os bens culturais não dão em árvores, embora o artista contemporâneo possa usar maçãs para sua obra de instalação. Mas todos  os artistas precisam ( ou deveriam) ter maçãs para se alimentar...

Os bens culturais estão imbricados no fazer-se  constante e contínuo. O artista, o criador, de uma maneira ou outra deveria ser protegido, ou deveria ter condições de se proteger contra  a maré extremamente corporativista. É natural  a condição de competição em nossa sociedade capitalista, porém o corporativismo não suporta a manifestação daquele que quer dispor de seu talento e sua expressão fora da ditadura que serve a interesses comerciais e/ou políticos. E por esse e tanto outros que não se curvam ao jogo de interesses, permanecem  à margem dos circuitos culturais oficiais.
           
Nessa marginalização, há um dado positivo que é a liberdade. Embora seja parcial, alguma liberdade é melhor que nenhuma. Porém precisamos ampliar a maneira de veiculação dos bens culturais através de uma valorização intensiva de inserção, ou reinserção, do artista e sua obra na sociedade, fazendo com que o artista seja valorizado pela sua produção e talento, tornando-se alguém que possa a desenvolver sua visão de mundo e da sociedade em que vive e trabalha.

            Leis como a lei Rouanet, ainda não são plenamente acessíveis. Infelizmente, há uma minoria privilegiada ( e nem sempre pelo talento)  que está abocanhando as verbas governamentais, como é o caso, de forma injusta.
            Talvez digam, nosso pensamento, sim, seja utópico. Contudo, a proposta de Cidadania Cultural não foi nossa. Aliás, com ela concordamos plenamente. Desde que seja aplicada realmente e não se preste a palanques e comícios.


10/12/2012

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