segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

NOTÍCIAS SENSACIONAIS


 Yndiara Macedo

Sensacional: adj. Relativo a sensação, que produz grande sensação; extraordinário, genial, surpreendente: uma novidade sensacional. / Fam. Maravilhoso, espetacular: uma loura sensacional.
Sensacionalismo: s.m. Característica ou particularidade de sensacional. Interesse ou procura pelo sensacional. Utilização ou resultado da busca por assuntos sensacionais cuja repercussão tende a fomentar escândalos, chocar uma sociedade, sem que tais assuntos sejam verdadeiros Filosofia. Fundamento ou teoria cujas ideias são provenientes, exclusivamente, das sensações ou das percepções sensoriais. 
( Definições do Dicionário Aurélio)

            Poucos dias antes do fim de 2012, uma jovem foi brutalmente estuprada e ferida em um ônibus em Nova Déli, Índia. O fato gerou comoção internacional e continua ganhando espaço na mídia.
            Sem dúvida alguma, é uma notícia impactante, horrível e que merece o destaque que lhe tem sido dado. Entretanto, o que tenho observado nos  noticiários em qualquer meio ( televisão, jornal, internet etc)  é que  o tom ora revoltoso, ora informativo, dependendo do veiculador da notícia, está longe da isenção jornalística ou mesmo do caráter de denúncia de que alguns meios tentam se apropriar.  A pura verdade é uma só: o único aspecto explorado pela mídia é o sensacionalismo.  Muito embora encontremos algumas esparsas ( e parcas) informações sobre os fatos e suas consequências, o que se repete “ad nauseam” são os detalhes sórdidos sobre a forma que a jovem indiana foi estuprada e seviciada, destacando-se que foram seis estupradores.
            O que observo é que o interesse da mídia não é chamar atenção ou despertar a consciência acerca desse tipo de monstruosidade, das péssimas condições de segurança me que vivemos, da situação das mulheres na índia e em muitos países ( inclusive o nosso). Os desdobramentos em torno desses temas são efeitos colaterais do sensacionalismo. Efeitos bem vindos, é claro, mas em breve alguma outra notícia sensacional, que pode nem ser hedionda, mas curiosa, científica ou cômica, ocupará o noticiário.
            Há poucos dias, deparei-me com uma brilhante palestra sobre dependência cultural, proferida pelo jornalista e escritor Jorge Cunha Lima (http://www.cpflcultura.com.br/2008/12/24/a-dependencia-cultural/) e gravada para o programa Café Filosófico, da TV Cultura. Dentre outros tópicos relevantes ao tema e muito bem desenvolvidos, Cunha Lima destacou que, segundo sua observação, o produto da televisão brasileira não é mais o programa em si, mas a audiência. Referida palestra foi gravada em 2007. Penso que de lá pra cá pouca coisa mudou, aliás, acentuou-se e não apenas no meio televisivo, mas em qualquer meio. Obviamente, as emissoras de televisão são “campeãs de audiência” nos quesitos morbidez, baixaria e sensacionalismo, disfarçando-os entretenimento ou, pior, de denúncia social.  A denúncia existe, mas, como citei acima, é efeito colateral. Assim que a notícia veiculada começa a arrefecer, logo aparece outro fato sensacional para saciar o apetite mórbido e insensato de uma massa com nenhum ou muito pouco senso crítico. Dessa forma, vai caindo no esquecimento todo o clamor suscitado pela mídia em torno deste ou daquele fato. Quem ainda fala na pobre Isabela Nardoni?  O caso da moça assassinada pelo goleiro Bruno ainda ganha espaço no noticiário porque o indiciado jogava em famoso clube carioca e isso dá audiência. Aliás, como é mesmo o nome da moça assassinada?  Se o assassino fosse um jogador de um clube medíocre no Piauí ou um pedreiro desconhecido do Acre, talvez sequer houvesse clamor público, porque nem haveria divulgação do caso. Quantas mulheres e crianças são estupradas, machucadas, mortas todos os dias, em diversos pontos do planeta?  O caso Nardoni, por exemplo, foi chocante e tenebroso, porém, não se trata de caso isolado. Quem trabalha nas Varas Criminais de qualquer cidade brasileira já deve ter se defrontado com casos mais hediondos e não divulgados, pois não despertariam o necessário “auê” que gera a audiência, que atrai leitores, que divulga e destaca os meios de comunicação. Isabela Nardoni, por exemplo, era de família abastada, pais com nível superior, avô advogado.  O empresário japonês assassinado e retalhado pela mulher era pessoa de posição financeira relevante e por isso com destaque social. Mas não nos enganemos, tem coisa muito pior ocorrendo por aí, anonimamente, apenas porque não interessa à mídia divulgar.
            É óbvio que não é possível noticiar e saber de absolutamente todo e cada movimento neste planeta. O que me desperta atenção e que desejo ressaltar é a necessidade de não tomarmos por denúncia a sede por audiência e a criação de uma irreflexiva cultura da violência. A mídia, qualquer que seja, não está prestando um serviço social, muito menos denunciando desiguladades, atrocidades, conspirações. O culto e a cultura da violência não leva á reflexão do porque essas coisas horríveis acontecem. Não encontrei nenhum debate sobre o que levou seis indivíduos a agirem tão brutalmente contra um ser humano. Não que haja desculpas para a monstruosidade, mas ninguém reflete sobre de onde ela surge, como se alimenta, porque aumenta. Todo mundo quer ver o enforcamento dos assassinos, ou seja, mais violência. Ninguém se pergunta o porquê de nada e vai crescendo um mercado da violência extremamente expressivo, sempre disfarçado de notícia ou denunciação. A mídia presta serviço a si mesma e é com isso que precisamos nos cuidar. O antídoto é simples: menos BBBs, Fazendas, compartilhamento de inutilidades no Facebook, menos pancadão, baixaria, dancinhas de bundas rebolantes, palavrões, consumismo desenfreado. Mais senso crítico, mais leitura, e não apenas juntar palavrinhas, mas desvendar a escrita. E por leitura entendamos também a compreensão da mensagem, seja ela verbal ou não verbal. Precisamos com urgência descobrir as entrelinhas, ler o que não está escrito, ouvir o que não foi dito, ver o que não está a olho nu, como queria Paul Klee.
            Quem sabe com mais senso crítico, com menos estupidez e alienação (que é morte cerebral voluntária), diminuam-se os casos de violência, estupros, assaltos, miséria, corrupção. Quem sabe vejamos menos casos como o da pobre jovem indiana e possamos ver menos programas que pingam sangue e mais entrevistas como a do Cunha Lima, na Cultura. Afinal, o senso crítico é  ferramenta essencial da cidadania. Sem cidadania, não há civilização que se sustente.
05/01/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário