Yndiara Macedo
Sensacional:
adj. Relativo a sensação, que produz
grande sensação; extraordinário, genial, surpreendente: uma novidade
sensacional. / Fam. Maravilhoso, espetacular: uma loura sensacional.
Sensacionalismo: s.m. Característica ou particularidade de
sensacional. Interesse ou procura pelo sensacional. Utilização ou resultado da busca por
assuntos sensacionais cuja repercussão tende a fomentar escândalos, chocar uma
sociedade, sem que tais assuntos sejam verdadeiros Filosofia. Fundamento ou
teoria cujas ideias são provenientes, exclusivamente, das sensações ou das
percepções sensoriais.
( Definições do Dicionário Aurélio)
Poucos
dias antes do fim de 2012, uma jovem foi brutalmente estuprada e ferida em um
ônibus em Nova Déli, Índia. O fato gerou comoção internacional e continua
ganhando espaço na mídia.
Sem
dúvida alguma, é uma notícia impactante, horrível e que merece o destaque que
lhe tem sido dado. Entretanto, o que tenho observado nos noticiários em qualquer meio ( televisão,
jornal, internet etc) é que o tom ora revoltoso, ora informativo,
dependendo do veiculador da notícia, está longe da isenção jornalística ou
mesmo do caráter de denúncia de que alguns meios tentam se apropriar. A pura verdade é uma só: o único aspecto
explorado pela mídia é o sensacionalismo.
Muito embora encontremos algumas esparsas ( e parcas) informações sobre
os fatos e suas consequências, o que se repete “ad nauseam” são os detalhes
sórdidos sobre a forma que a jovem indiana foi estuprada e seviciada,
destacando-se que foram seis estupradores.
O
que observo é que o interesse da mídia não é chamar atenção ou despertar a
consciência acerca desse tipo de monstruosidade, das péssimas condições de
segurança me que vivemos, da situação das mulheres na índia e em muitos países
( inclusive o nosso). Os desdobramentos em torno desses temas são efeitos
colaterais do sensacionalismo. Efeitos bem vindos, é claro, mas em breve alguma
outra notícia sensacional, que pode nem ser hedionda, mas curiosa, científica
ou cômica, ocupará o noticiário.
Há
poucos dias, deparei-me com uma brilhante palestra sobre dependência cultural,
proferida pelo jornalista e escritor Jorge Cunha Lima (http://www.cpflcultura.com.br/2008/12/24/a-dependencia-cultural/) e gravada
para o programa Café Filosófico, da TV Cultura. Dentre outros tópicos relevantes
ao tema e muito bem desenvolvidos, Cunha Lima destacou que, segundo sua
observação, o produto da televisão brasileira não é mais o programa em si, mas
a audiência. Referida palestra foi gravada em 2007. Penso que de lá pra cá
pouca coisa mudou, aliás, acentuou-se e não apenas no meio televisivo, mas em
qualquer meio. Obviamente, as emissoras de televisão são “campeãs de audiência”
nos quesitos morbidez, baixaria e sensacionalismo, disfarçando-os entretenimento
ou, pior, de denúncia social. A denúncia
existe, mas, como citei acima, é efeito colateral. Assim que a notícia
veiculada começa a arrefecer, logo aparece outro fato sensacional para saciar o
apetite mórbido e insensato de uma massa com nenhum ou muito pouco senso
crítico. Dessa forma, vai caindo no esquecimento todo o clamor suscitado pela
mídia em torno deste ou daquele fato. Quem ainda fala na pobre Isabela
Nardoni? O caso da moça assassinada pelo
goleiro Bruno ainda ganha espaço no noticiário porque o indiciado jogava em famoso
clube carioca e isso dá audiência. Aliás, como é mesmo o nome da moça
assassinada? Se o assassino fosse um
jogador de um clube medíocre no Piauí ou um pedreiro desconhecido do Acre,
talvez sequer houvesse clamor público, porque nem haveria divulgação do caso.
Quantas mulheres e crianças são estupradas, machucadas, mortas todos os dias,
em diversos pontos do planeta? O caso
Nardoni, por exemplo, foi chocante e tenebroso, porém, não se trata de caso
isolado. Quem trabalha nas Varas Criminais de qualquer cidade brasileira já
deve ter se defrontado com casos mais hediondos e não divulgados, pois não
despertariam o necessário “auê” que gera a audiência, que atrai leitores, que
divulga e destaca os meios de comunicação. Isabela Nardoni, por exemplo, era de
família abastada, pais com nível superior, avô advogado. O empresário japonês assassinado e retalhado
pela mulher era pessoa de posição financeira relevante e por isso com destaque
social. Mas não nos enganemos, tem coisa muito pior ocorrendo por aí, anonimamente,
apenas porque não interessa à mídia divulgar.
É óbvio que não é possível noticiar e
saber de absolutamente todo e cada movimento neste planeta. O que me desperta
atenção e que desejo ressaltar é a necessidade de não tomarmos por denúncia a sede por audiência e a
criação de uma irreflexiva cultura da violência. A mídia, qualquer que seja,
não está prestando um serviço social, muito menos denunciando desiguladades,
atrocidades, conspirações. O culto e a cultura da violência não leva á reflexão
do porque essas coisas horríveis acontecem. Não encontrei nenhum debate sobre o
que levou seis indivíduos a agirem tão brutalmente contra um ser humano. Não
que haja desculpas para a monstruosidade, mas ninguém reflete sobre de onde ela
surge, como se alimenta, porque aumenta. Todo mundo quer ver o enforcamento dos
assassinos, ou seja, mais violência. Ninguém se pergunta o porquê de nada e vai
crescendo um mercado da violência extremamente expressivo, sempre disfarçado de
notícia ou denunciação. A mídia presta serviço a si mesma e é com isso que
precisamos nos cuidar. O antídoto é simples: menos BBBs, Fazendas,
compartilhamento de inutilidades no Facebook, menos pancadão, baixaria, dancinhas
de bundas rebolantes, palavrões, consumismo desenfreado. Mais senso crítico,
mais leitura, e não apenas juntar palavrinhas, mas desvendar a escrita. E por
leitura entendamos também a compreensão da mensagem, seja ela verbal ou não
verbal. Precisamos com urgência descobrir as entrelinhas, ler o que não está
escrito, ouvir o que não foi dito, ver o que não está a olho nu, como queria
Paul Klee.
Quem
sabe com mais senso crítico, com menos estupidez e alienação (que é morte
cerebral voluntária), diminuam-se os casos de violência, estupros, assaltos,
miséria, corrupção. Quem sabe vejamos menos casos como o da pobre jovem indiana
e possamos ver menos programas que pingam sangue e mais entrevistas como a do
Cunha Lima, na Cultura. Afinal, o senso crítico é ferramenta essencial da cidadania. Sem
cidadania, não há civilização que se sustente.
05/01/2013
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